STJ
Centavos, papagaios e narizes: casos incomuns também formam a jurisprudência penal do STJ
“Compete ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar…” Quem lê o trecho da Constituição sobre as atribuições do STJ relativas a matérias penais dificilmente imagina a variedade das questões de direito e situações de fato submetidas diariamente ao Tribunal. Conheça alguns dos casos mais curiosos que já foram julgados.
Papagaio e cachorro
Em um caso, o STJ tratou de apurar a prática da contravenção penal por omissão de cautela na guarda ou condução de animais, em tese praticada por subprocurador-geral do Trabalho (APn 187). Dois de seus cães, um pastor alemão e um rottweiller, teriam pulado muro de 1,8 metros e invadido a casa vizinha em mais de uma oportunidade, matando dois papagaios e colocando em risco os moradores.
O subprocurador-geral não negou os fatos, mas se defendeu argumentando que, em oito anos, os cães – de desfile e adestrados para exposição – jamais atacaram pessoa alguma. Também teria feito diversas reformas em sua residência, chegando a passar o muro para 2,2 metros de altura. Os primeiros incidentes teriam ocorrido logo após se mudar para o endereço, em razão do estresse dos animais com a transferência.
Por ter pena mínima de dez dias de prisão simples, o Ministério Público Federal (MPF) ofereceu suspensão do processo, sob condição de doação de umidificadores para um hospital local. A quantidade de umidificadores foi negociada entre as partes, chegando ao fim a acordo sobre cinco aparelhos, entregues ao Hospital Regional da Asa Sul (HRAS), em Brasília.
Falhas processuais levaram à ultrapassagem da fase de composição amigável dos danos civis e transação, prevista na lei dos juizados especiais, passando-se diretamente ao recebimento da denúncia. Ao final recebida pela Corte Especial do STJ, foi determinada a suspensão do processo por dois anos. Cumprido o prazo e as condições, a punibilidade do subprocurador-geral do Trabalho pelos fatos foi extinta.
O processo chegou ao STJ em novembro de 1999. Foi julgado em fevereiro de 2001 e tramitou até ser arquivado, em 2004. No curso da ação, o réu desistiu de criar cães de exposição em sua residência, após ter que sacrificar um dos envolvidos no evento por motivo de doença.
Dois anos por R$ 0,15
Em 2004, o STJ julgou pedido de habeas corpus (HC 23.904) contra condenação a dois anos de prisão imposta a ajudante de pedreiro que teria furtado uma fotocópia de cédula de identidade, uma moeda de R$ 0,10 e outra de R$ 0,05. A vítima tinha acabado de ser agredida por outros quando foi abordada pelo réu e um menor que o acompanhava.
Para o juiz, a sociedade clamava por “tolerância zero” e a jurisprudência rejeitava o conceito de crime de bagatela. O fato de terem os autores se aproveitado da vítima ferida, sem condições de resistir, indicaria alto grau de culpabilidade, por demonstrar “o mais baixo grau de sensibilidade e humanidade”.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), ao julgar a apelação, classificou o princípio da insignificância como “divertimento teorético, supostamente magnânimo e ‘moderno’”.
“Para certos esnobes, tudo o que não coincide com suas fantasias laxistas pertence à Idade da Pedra; eles, e mais ninguém, representam a modernidade, a amplitude de visão, a largueza de espírito, a nobreza de coração; eles definitivamente têm uma autoestima hipertrofiada”, acrescentou o voto, negando a apelação.
“Acha-se implantada uma nova ordem de valores, a moderna axiologia: comerás com moderação! Beberás com moderação e furtarás com moderação!”, continuou o desembargador paulista. “Curioso e repugnante paradoxo: essa turma da bagatela, da insignificância, essa malta do Direito Penal sem metafísica e sem ética, preocupa-se em afetar deplorativa solidariedade aos miseráveis; no entanto, proclama ser insignificante e penalmente irrelevante o furto de que os miseráveis são vítimas”, afirmou.
“Essa arenga niilista do Direito Penal mínimo não raro conduz ao amoralismo máximo”, completou o desembargador Corrêa de Moraes. “Portanto, a regra de ouro dos que professam a ‘Teoria da Insignificância’ é: furtar tudo de todos quantos tenham pouco, perdendo de vista que coisa insignificante para o ladrão pode ser muito significante para a vítima”, concluiu.
Ao relatar o caso no STJ, o ministro Paulo Medina registrou estranheza com “a forma afrontosa dos fundamentos” do TJSP. “O respeito à divergência ideológica é o mínimo que se pode exigir dos operadores do Direito, pois, constituindo espécie das chamadas ciências sociais aplicadas – o que traduz sua natureza dialética –, emerge sua cientificidade, de que é corolário seu inquebrantável desenvolvimento e modernização, pena de ainda vigorar o Código de Hamurabi”, afirmou.
“Os fundamentos utilizados pelo Tribunal a quo refogem à epistemologia da ciência do Direito Penal, na medida em que retira seu substrato de proposições calcadas em valores morais apreendidos a partir de ensinamentos familiares do julgador, de duvidosa sabedoria”, acrescentou o ministro. “Ora, há muito separou-se o Direito da Moral”, completou.
O relator apontou que o furto protege especificamente o patrimônio da vítima, sem alcançar mesmo indiretamente sua pessoa, como no roubo. Por isso, para aferir a tipicidade material do fato, além da mera tipicidade formal, seria preciso avaliar em que medida o bem jurídico “patrimônio” da vítima foi afetado. “Ora, por óbvio, o furto de R$ 0,15 não gera considerável ofensa ao bem jurídico patrimônio. Conduta sem dúvida reprovável, imoral, mas distante da incidência do Direito Penal”, concluiu o ministro. A Turma concedeu o habeas corpus por unanimidade.
Nariz mordido
O STJ também já julgou caso em que uma mãe agrediu a educadora de uma creche (HC 35.896). Condenada a quatro anos e seis meses de reclusão, a mãe conseguiu reduzir a pena por meio de habeas corpus. Para a Sexta Turma, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) usou o ferimento duplamente, tanto para qualificar o crime quanto para aumentar a pena-base.
Em 1999, a mãe levou sua filha para a creche, no Recanto das Emas (DF). Ao recebê-la, a educadora advertiu a mãe sobre a higiene da criança e a presença de urina em suas roupas. A mãe argumentou que a filha teria se sujado no trajeto até a creche e se dirigiu até a secretaria da unidade para reclamar da advertência.
Ao retornar, a mãe encontrou a educadora dando banho na criança. Segundo testemunhas, ao presenciar a mãe, a criança se agitou na banheira, o que levou a agressora a tentar retirá-la da vítima. De imediato, a mãe passou a estapear a educadora e puxar seus cabelos, concluindo com uma mordida. O ato arrancou parte do nariz da educadora, então com 26 anos de idade. O reimplante cirúrgico não teve sucesso, resultando em deformidade estética permanente.
Pelos fatos, a juíza fixou a pena-base do crime de lesão corporal gravíssima em quatro anos de reclusão. Mas, conforme o ministro Nilson Naves, a deformidade permanente da vitima foi usada tanto para enquadrá-la no tipo penal quanto para fixar a pena-base acima do mínimo. “Em outras palavras, a resultante deformidade não poderia, ao mesmo tempo, qualificar o crime e integrar as circunstâncias judiciais. Não poderia, como não pode”, afirmou.
O processo foi devolvido ao TJDF para que fosse fixada nova pena, mantida a condenação, sem a dupla consideração do mesmo fato.
Habeas a feto
O STJ reconheceu, em 2004, o direito à vida de nascituro e o uso do habeas corpus para protegê-la (HC 32.159). Para a ministra Laurita Vaz, a realização do aborto fora das hipóteses previstas no Código Penal implicaria aplicação de pena corpórea máxima e irreparável. “Não há falar em impropriedade da via eleita, já que, como cediço, o writ se presta justamente a defender o direito de ir e vir, o que, evidentemente, inclui o direito à preservação da vida do nascituro”, afirmou a relatora.
Ao analisar o pedido, formulado por um religioso, a ministra concedeu liminar para suspender o efeito de outra liminar, em apelação, concedida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) em favor da gestante. O TJRJ havia permitido o aborto, mas a ministra considerou que a decisão liminar exauria o pedido, satisfazendo o mérito sem submetê-lo ao colegiado competente. “Afinal, a sentença de morte ao nascituro, caso fosse levada a cabo, não deixaria nada mais a ser analisado por aquele ou este Tribunal”, afirmou.
“O tema em debate é bastante controverso, porque envolve sentimentos diretamente vinculados a convicções religiosas, filosóficas e morais”, ressaltou a ministra ao avaliar o mérito do habeas corpus.
“Advirta-se, desde logo, que independente de convicções subjetivas pessoais, o que cabe a este Superior Tribunal de Justiça é o exame da matéria posta em discussão tão somente sob o enfoque jurídico. Isso porque o certo ou o errado, o moral ou imoral, o humano ou desumano, enfim, o justo ou o injusto, em se tratando de atividade jurisdicional em um Estado Democrático de Direito, são aferíveis a partir do que suas leis estabelecem”, asseverou a relatora.
Para a ministra, a decisão do TJRJ fundou-se essencialmente na inviabilidade da vida extra-uterina do nascituro e nas consequências psíquicas para a gestante e familiares, “sem dúvida, motivo de muita dor”. Porém, conforme a relatora, o aborto eugênico não está expresso na lei penal brasileira como hipótese autorizada.
Segundo ela, o magistrado não deve ficar engessado pelas “letras frias da lei”, como “mero expectador das mudanças da vida cotidiana”, mas, sim, buscando interpretação que se ajuste à realidade em que vive.
“Não se pode olvidar, entretanto, que há de se erigir limites. E estes hão de ser encontrados na própria lei, sob pena de se abrir espaço à odiosa arbitrariedade”, completou. Sobre o tema específico, a ministra considerou que não cabia ao Judiciário discutir a correção ou incorreção das normas vigentes, deixando a discussão para o foro adequado: o Legislativo.
A decisão registra ainda que, seguindo no julgamento, o TJRJ atendeu o pedido da gestante e autorizou definitivamente o aborto do feto anencéfalo. Porém, conforme reportagens jornalísticas juntadas aos autos, após a decisão do TJRJ a mãe desistiu do procedimento, dando continuidade à gravidez. A Quinta Turma concedeu unanimemente o habeas corpus, desautorizando o aborto.
Macacas livres
Um processo buscou ampliar o alcance do habeas corpus para o benefício de animais (HC 96.344). As advogadas pretendiam que Lili e Megh, ao contrário do habitual para ações desse tipo, fossem mantidas em cativeiro. A Justiça havia determinado sua reintegração à natureza, mas elas acreditavam que a medida implicaria a morte das chimpanzés.
“O periculum in mora reside no evidente perecimento de direito, com um agravante, esse direito é o bem maior (a vida dos animais), que seria gravemente afetado com a determinada retirada da guarda do fiel depositário para introduzi-las na natureza, o que certamente lhes acarretará a morte”, sustentou a impetração.
O ministro Castro Meira, porém, não admitiu a possibilidade de estender aos símios a proteção constitucional. “Nos termos do artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição da República, é incabível a impetração de habeas corpus em favor de animais. A exegese do dispositivo é clara. Admite-se a concessão da ordem apenas para seres humanos”, asseverou o relator.
Caretice obscena
A campanha da coleção de verão de uma marca nacional quase resultou na condenação dos empresários por exposição de objeto obsceno, punível com pena de até dois anos. O crime: veicular outdoor que, com recursos de luz e sombra, reproduziam o ângulo dorsal de corpos humanos.
“Essa reprodução da geografia do continente dorsal do corpo humano, conforme vejo nas revistas juntadas aqui no processo, não merece, a meu ver, reprovação; é digna de premiação, porque é uma obra de arte”, afirmou o relator para o acórdão, ministro Edson Vidigal (HC 7.809).
“Explora o visual humano com o maior respeito. Não unicamente como nádegas ou como dorso. Aliás, num primeiro olhar, não se tem de pronto a impressão negativa que tanto teria chocado o Ministério Público em Bauru (SP)”, completou.
“Aqui não há o grosseiro, não há o chulo. Há a visão sensível de um artista, através de suas lentes, retratando um pedaço do território de uma criação divina. É assim que nos é mostrado esse lado bonito do corpo humano”, acrescentou.
“Esse Código é de 1940. O conceito de obsceno naqueles tempos era, no dizer dos jovens de hoje, muito careta. Sexo era tabu nas escolas, assunto proibido entre adolescentes. Para as crianças mais curiosas, falava-se que tinha sido a cegonha”, argumentou o ministro.
“A própria história do pecado contada naqueles tempos, descrevendo aquele cenário do Éden – um homem, uma mulher, uma maçã, uma serpente, uma nudez, depois uma ordem de despejo como castigo – induzia-nos a grande medo e precauções; não de doenças sexualmente transmissíveis porque, quanto a isso, azar de quem pegasse uma gonorreia ou tivesse o púbis invadido por aqueles insetos anapluros, da família dos pediculídeos, popularmente conhecidos como chatos. Caía na vala comum da exclusão, vítima do preconceito”, registrou o ministro Vidigal.
“Essas danações todas se inseriam no conceito de pudor público que nosso Código Penal, ainda em vigor, buscava tutelar. Mulher sensual era coisa do capeta”, votou. Ele citou figuras feministas como Pagu e Anaíde Beiriz, a luta judicial do editor da revista pornográfica Hustler contra a censura nos Estados Unidos e as campanhas governamentais pelo uso da camisinha.
“O Código Penal, como disse, é de 1940; é um decreto-lei de uma ditadura, é sempre bom lembrar. A Constituição da República, que está em vigor, é de 1988. Nesse interregno, o mundo conheceu guerras, isolou o átomo, explodiu a bomba atômica; varreu intolerâncias ideológicas e regimes totalitários; descobriu a penicilina; clonou plantas e animais; venceu tabus”, argumentou ainda o ministro.
“Já são fiapos na memória o escândalo da minissaia de Mary Quant e a ousadia dos Beatles, a banda de cabeludos rompendo com a estética do som e da poesia das letras até então predominantes. Depois o biquíni de Brigite Bardot no festival de Cannes, na França; o monoquíni de Monique Evans já nas praias de Copacabana; a gravidez escancarada de Leila Diniz, em Ipanema, a tanga, o topless etc.”, completou.
“Tenho que ler a lei e interpretá-la conforme as realidades sociais em derredor. Não devo consentir que a engrenagem estatal, a polícia, o Ministério Público, o Judiciário, que custam muito dinheiro ao contribuinte, se ocupem ou sejam ocupados de maneira perdulária, tocando inquéritos ou processos que, depois de muito tempo, acabam dando em nada exatamente em razão da evidência, notada logo no primeiro momento, como neste caso, de que não há crime algum a apurar, a processar, a punir”, concluiu.
O voto foi acompanhado pelos ministros Felix Fischer e Gilson Dipp, que divergiram do relator, ministro José Arnaldo da Fonseca, que mantinha o processo por entender inviável, no caso, trancar o inquérito por meio de habeas corpus.
Fonte: STJ
Fique por dentro
Caixa já desistiu de 80{1eecf362f98c152f8c428eb9c8eaf3ddce5ebd4071b9fa780edfd0d1e2372573} de seus recursos no STJ nos últimos sete meses
A Caixa Econômica Federal está colocando por terra o empoeirado princípio adotado pela maioria das empresas e órgãos públicos, de recorrer sempre em qualquer ação. Desde março, a instituição reduziu em 80{1eecf362f98c152f8c428eb9c8eaf3ddce5ebd4071b9fa780edfd0d1e2372573} o número de recursos em que é recorrente no Superior Tribunal de Justiça (STJ) – eram 4.201 recursos. Com a desistência de diversos casos e a adoção de critérios que barram os recursos protelatórios, a Caixa tem atualmente apenas 836 recursos no Tribunal.
Os números contemplam a meta traçada pelo “Projeto Desistência” da Caixa, e foram apresentados ao presidente do STJ, ministro Felix Fischer, pelo presidente da instituição financeira, Jorge Hereda. O programa é a coroação de um esforço de redução do número de recursos que vem sendo feito pela Caixa desde 2004, quando a empresa era recorrente em mais de 16 mil processos no STJ.
O ministro Felix Fischer elogiou a iniciativa e afirmou que ela contribui para a efetividade da prestação jurisdicional. “O trabalho realizado é um exemplo a ser seguido pelas demais instituições que figuram entre os grandes litigantes no Tribunal”, sugeriu o presidente do STJ.
Racionalizar
Historicamente, a Caixa esteve entre os maiores litigantes do STJ e chegou a ocupar a primeira colocação em vários momentos. “É a primeira vez que comemoramos sair do primeiro lugar”, observou o presidente da Caixa. Jorge Hereda avalia que a política adotada vem dando certo e por isso será mantida. “Temos de liberar os nossos advogados para questões mais relevantes e vamos continuar contribuindo para racionalizar o trabalho do Tribunal também”, ressaltou.
A estratégia adotada pela Caixa é recorrer em processos efetivamente importantes para a empresa, desde que haja possibilidade de alteração do resultado, e deixar de recorrer em processos cujo valor seja baixo ou em questões já pacificadas pela jurisprudência do STJ. Quem explica é o diretor jurídico da Caixa, Jailton Zanon da Silveira: “Não faz sentido insistirmos num recurso em que sabemos que não teremos êxito. Então, antecipamos e desistimos do processo.”
Silveira conta que a meta do “Projeto Desistência” era ter menos de mil recursos no STJ, o que foi alcançado este mês. O número ainda deve baixar mais quando houver definição, por parte do Supremo Tribunal Federal, da questão sobre os expurgos inflacionários em cadernetas de poupança. A empresa estima ter cerca de 300 recursos sobre o tema no STJ.
Conciliação
Quanto aos recursos em que a Caixa é a recorrida (ou seja, o recurso foi interposto pela outra parte), a Caixa estuda adotar iniciativas de conciliação, para acelerar o deslinde das questões.
Para o diretor jurídico da Caixa, o “Projeto Desistência” vai ao encontro do desejo de um Judiciário mais eficaz, imprescindível para o desenvolvimento da sociedade. “A Caixa optou por se colocar como partícipe da solução do problema, e não apenas alguém que reclama um Judiciário célere”, afirmou.
O “Projeto Desistência” tem reflexos nas instâncias de origem. De acordo com Silveira, a empresa mudou o tratamento de ações nas instâncias inferiores: para um recurso subir para o STJ, ele será necessariamente apreciado pela diretoria jurídica da empresa. “O recurso não será feito apenas pelos advogados, mas será submetido à diretoria, que só autorizará o protocolo se ele estiver enquadrado nesse conceito de processo relevante ou questão que ainda não esteja pacificada na jurisprudência”, explicou. “Estamos buscando trazer apenas aquilo que é importante”, concluiu o diretor.
Fonte: STJ
Fique por dentro
Adoção conjunta pode ser deferida para irmãos, desde que constituam núcleo familiar estável
Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), as hipóteses de adoção conjunta previstas no artigo 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não são as únicas que atendem ao objetivo essencial da lei, que é a inserção do adotado em família estável. Com esse entendimento, a Turma negou provimento a recurso especial interposto pela União, que pretendia anular a adoção de uma criança feita por uma mulher, juntamente com seu irmão (já falecido).
Em princípio, a ação foi extinta pelo magistrado de primeira instância. A União apelou contra essa decisão ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), o qual, apesar de não concordar com o magistrado quanto à inviabilidade da ação anulatória, julgou-a, no mérito, improcedente. Em seu entendimento, a adoção póstuma intentada por irmãos é possível.
O TJRS constatou que houve inequívoca manifestação de vontade do irmão (enquanto vivo) em adotar e que essa vontade apenas deixou de ser concretizada formalmente. Além disso, verificou nas provas do processo que havia fortes vínculos entre o adotado e o falecido, “dignos de uma paternidade socioafetiva”.
Adoção póstuma
No recurso especial, a União afirmou que a adoção póstuma (ajuizada por uma pessoa em nome de outra, que já morreu) só pode ser deferida na hipótese prevista no artigo 42, parágrafo 6º, do ECA.
Além disso, alegou violação do artigo 42, parágrafo 2º, do ECA, segundo o qual, “para a adoção póstuma, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família”.
Segundo a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso especial, o artigo 42, parágrafo 6º, da Lei 8.069 (ECA), possibilita que a adoção póstuma seja requerida caso o adotante tenha morrido no curso do procedimento de adoção e seja comprovado que este manifestou em vida seu desejo de adotar, de forma inequívoca.
Para as adoções post mortem se aplicam, como comprovação da inequívoca vontade do falecido em adotar, “as mesmas regras que comprovam a filiação socioafetiva: o tratamento do menor como se filho fosse e o conhecimento público dessa condição”.
Manifestação inequívoca
De acordo com a ministra Andrighi, a inequívoca manifestação de vontade é condição indispensável para a concessão da adoção póstuma, “figurando o procedimento judicial de adoção apenas como a concretização formal do desejo de adotar, já consolidado e exteriorizado pelo adotante”.
Ela explicou que, no caso relatado, a adoção se confunde com o reconhecimento de filiação socioafetiva preexistente, que foi construída pelo adotante falecido desde quando o adotado tinha quatro anos de idade.
Nancy Andrighi entendeu que a ausência de pedido judicial de adoção, anterior à morte do adotante, “não impede o reconhecimento, no plano substancial, do desejo de adotar, mas apenas remete para uma perquirição quanto à efetiva intenção do possível adotante em relação ao adotado”.
Quanto à alegação de violação do artigo 42, parágrafo 2º, do ECA, a ministra afirmou que, ao buscar o melhor interesse do adotado, a lei restringiu a adoção conjunta aos que, casados civilmente ou que mantenham união estável, comprovem estabilidade na família. Para ela, o motivo é razoável, mas ainda assim não justifica as restrições fixadas.
“A exigência legal restritiva, quando em manifesto descompasso com o fim perseguido pelo próprio texto de lei, é teleologicamente órfã, fato que ofende o senso comum e reclama atuação do intérprete para flexibilizá-la e adequá-la às transformações sociais que dão vulto ao anacronismo do texto de lei”, disse.
Núcleo familiar
Segundo a relatora, o que define um núcleo familiar estável são os elementos subjetivos, extraídos da existência de laços afetivos, de interesses comuns, do compartilhamento de ideias e ideais, da solidariedade psicológica, social e financeira, entre outros fatores. Isso não depende do estado civil dos adotantes.
“O conceito de núcleo familiar estável não pode ficar restrito às fórmulas clássicas de família, mas pode, e deve, ser ampliado para abarcar a noção plena de família, apreendida nas suas bases sociológicas”, afirmou Andrighi.
Ao analisar o caso, a ministra entendeu que o objetivo expresso no texto legal – colocação do adotando em família estável – foi cumprido, porque os irmãos, até a morte de um deles, moravam sob o mesmo teto e viviam como família, tanto entre si, como em relação ao adotado.
“Naquele grupo familiar o adotado deparou-se com relações de afeto, construiu seus valores sociais, teve amparo nas horas de necessidades físicas e emocionais, em suma, encontrou naqueles que o adotaram a referência necessária para crescer, desenvolver-se e inserir-se no grupo social de que hoje faz parte”, declarou.
A Turma, em decisão unânime, acompanhou o voto da relatora e negou provimento ao recurso especial da União.
Fonte: STJ
Direito Penal
Motorista acusado de homicídio no trânsito de BH vai a júri popular
Um motorista de Minas Gerais, acusado de provocar acidente fatal ao dirigir embriagado, em excesso de velocidade e na contramão, vai responder por homicídio perante o tribunal do júri. A decisão unânime é da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O acidente ocorreu em 2008, na capital Belo Horizonte. Um administrador de empresas de 25 anos saiu de uma boate e, em alta velocidade, invadiu a contramão e bateu de frente em outro veículo, dirigido por um empresário de 48 anos, que morreu na hora.
Seguindo o voto do ministro Jorge Mussi, a Turma considerou que as circunstâncias do crime podem configurar dolo eventual, em que o motorista assume o risco de produzir o resultado morte.
A decisão foi tomada no julgamento de recurso especial do Ministério Público (MP) de Minas Gerais contra decisão do Tribunal de Justiça (TJ) do estado, que desclassificou o crime de homicídio doloso para homicídio culposo – sem intenção de matar.
Para o TJ, “embora exista entendimento de que aquele que dirige em alta velocidade assume o risco de produzir o resultado morte, agindo com dolo eventual, não se pode admiti-lo na espécie, na medida em que inexiste prova da vontade dirigida para o resultado alcançado”.
O MP sustentou que o fato de o acusado estar dirigindo embriagado, em excesso de velocidade e na contramão de direção – elementos todos reconhecidos na pronúncia – seria suficiente para levar o réu ao tribunal do júri, em razão, ao menos, do dolo eventual. Por isso, pediu o restabelecimento da sentença de pronúncia.
Benefício da sociedade
Segundo Jorge Mussi, a decisão do tribunal estadual contrariou o entendimento do STJ de que a presença das referidas circunstâncias caracterizaria, em tese, o elemento subjetivo do tipo inerente aos crimes de competência do júri popular.
“Tenho que a presença da embriaguez ao volante, excesso de velocidade e direção na contramão, em tese, podem configurar dolo eventual, pois, nesta fase processual, de acordo com o princípio do juiz natural, o julgamento acerca da sua ocorrência ou da culpa consciente deve ficar a cargo do conselho de sentença, que é constitucionalmente competente para julgar os crimes dolosos contra a vida, conforme já decidido por esta Corte”, afirmou Mussi.
O ministro observou que a sentença de pronúncia adotou a tese do dolo eventual, prestigiando o princípio in dubio pro societate – na dúvida, deve-se decidir a favor da sociedade. Ele ressaltou que a decisão de pronúncia contém simples juízo de admissibilidade da acusação, exigindo o ordenamento jurídico somente o exame da ocorrência do crime e de indícios de sua autoria. O recurso foi provido para restabelecer a sentença de pronúncia.
Fonte: STJ
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