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Excesso de reclamações ameaça conquistas da Justiça especial estadual

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Desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a competência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para assegurar a eficácia de suas decisões frente aos julgados das turmas recursais dos juizados especiais estaduais, o número de reclamações ajuizadas no Tribunal vem aumentando consideravelmente.

Em 2009, quando se atribuiu ao STJ a função de órgão unificador das decisões desses juizados, foram distribuídas 150 reclamações na Segunda Seção (que julga casos de direito privado). Até o último dia 6 de outubro de 2011, os ministros se depararam com o total de 2.300 reclamações, número que tende a crescer, segundo avaliação dos próprios magistrados.

É na Segunda Seção que deságua a maioria dos casos originados nos juizados especiais estaduais. No mesmo período, a Primeira Seção (responsável pelas matérias de direito público) recebeu 518 reclamações e a Terceira (direito penal), 549.

A razão principal do aumento do número de reclamações, na opinião do ministro Massami Uyeda, em voto proferido sobre o tema na Rcl 6.721, é que esse instrumento vem sendo utilizado para rediscutir assuntos que, em regra, deveriam ser concluídos no âmbito da Justiça especial.

Questões menos complexas, como a indenização por defeito em um televisor ou revisão de tarifa básica de telefonia, chegam ao STJ e tendem a receber a mesma atenção dispensada a processos nos quais são definidas teses sobre a legislação federal, funcionando, assim, como atalho processual para levar o litígio à instância máxima.

Recursos previstos

A reclamação, criada como instrumento para assegurar o respeito às decisões emanadas do STF e do STJ, tem servido para dirimir divergências entre os julgados das turmas recursais e a jurisprudência superior, desde o entendimento do STF no recurso extraordinário 571.572 e a aprovação da Resolução 12 do STJ. Sua interposição desenfreada, segundo ministros da Segunda Seção do STJ, compromete os princípios que nortearam a criação dos juizados, que são a simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade.

O juizado especial tem mecanismos diferentes da Justiça convencional: prima pelo procedimento oral e dispensa relatório na sentença. A fundamentação em grau de recurso é feita de forma sucinta, diferentemente do estabelecido pelo Código de Processo Civil (CPC).

Segundo a juíza de Direito Blanche Maymone Pontes Matos, em artigo sobre “A Sistemática Recursal das Leis 9.099/95 e 10.259/01 e a Proposta de Uniformização de Decisões nos Juizados Especiais Estaduais”, o legislador se empenhou em impedir a proliferação de recursos no âmbito desses juizados, prevendo apenas um impugnativo de sentença, além dos embargos declaratórios.

O recurso cabível de sentença recebeu o nome de “recurso inominado” e é julgado por uma turma integrada por três juízes de primeiro grau, que exercem função revisora e estão no mesmo grau de jurisdição do magistrado que proferiu a sentença. Não existe Turma de Uniformização Nacional, como há para os juizados especiais federais.

A reclamação interposta no STJ contra decisões dos juizados especiais estaduais tem a função de preservar a unidade do direito federal e não foi prevista constitucionalmente. Existe um juízo de admissibilidade feito pelos ministros de forma monocrática, no âmbito de cada processo, a partir da Resolução 12/STJ, mas as partes recorrem, levando o assunto à apreciação do colegiado.

“Já ocorreu de se impetrar mandado de segurança contra decisão de ministro que não conheceu de reclamação oriunda desses juizados por intempestividade”, conta Massami Uyeda. “Como é possível uma Corte da maior relevância para o Estado brasileiro, com repercussão para todos os demais órgãos jurisdicionados e administrativos, ter de se debruçar sobre contagem de prazo?”, questiona-se o ministro.

Restrições à reclamação

Como forma de contornar a questão do grande número de reclamações em trâmite no STJ, a Segunda Seção decidiu no último dia 9 limitar sua admissão. Conforme proposta encaminhada pela ministra Nancy Andrighi, que foi aprovada de forma unânime pelos demais ministros, as partes só poderão apresentar reclamações contra decisões das turmas recursais que contrariem a jurisprudência do STJ pacificada em súmula ou em julgamento de recurso repetitivo. O relator poderá rejeitá-las individualmente, mas os recursos de agravo contra suas deliberações não serão aceitos.

A Seção voltou a discutir o tema dos “filtros” depois que o ministro Massami Uyeda levou seu voto no julgamento da Rcl 6.721, no dia 26 de outubro, com a proposta “radical”, como ele mesmo a denomina, de não mais aceitar nenhuma reclamação no âmbito da Seção. Segundo a decisão da Seção, também não será possível discutir em reclamação questões que envolvam direito processual.

Uma das razões pelas quais o ministro Massami Uyeda apresentou a proposta de não mais aceitar reclamações contra decisões das turmas recursais é que não há previsão legal que defina a competência do STJ para julgá-las. Massami entende que a análise recursal do Tribunal em reclamação fere o princípio de celeridade processual e é um entrave para a efetividade dos julgados.

O STJ assumiu a competência para julgar as reclamações de forma provisória, até que o Legislativo defina regras legais de uniformização no âmbito dos juizados especiais estaduais. Um projeto nesse sentido foi apresentado em 2004 por iniciativa do Poder Executivo e está na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara para parecer (PL 4.723/04).

De acordo com a decisão da Segunda Seção, mesmo na hipótese de contrariedade de súmula, a parte deve levar aos autos a colação de acórdãos que deram origem ao enunciado, demonstrando a similitude fática entre as causas confrontadas. Não se admite a propositura de reclamações com base apenas em precedentes proferidos no julgamento de recurso especial.

Decisão do STF

A reclamação está prevista no inciso I, alínea “l” do artigo 102, e no inciso I, alínea “f” do artigo 105, e tem a função de garantir a autoridade das decisões do STF e do STJ. No caso dos juizados especiais estaduais, a reclamação passou a ser competência do STJ por orientação do Supremo Tribunal Federal (STF) dada no julgamento do recurso extraordinário 571.572, e seu trâmite está disciplinado pela Resolução 12, de 2009, do STJ.

A decisão do STF não tem força vinculante. O órgão entendeu que as reclamações perante o STJ poderiam ser utilizadas provisoriamente para contestar decisões dos juizados especiais estaduais, enquanto não fosse criado órgão de uniformização, a exemplo do que ocorre com os juizados especiais federais. O STJ resolveria as divergências existentes em relação ao direito material. Para o ministro Massami Uyeda, não é possível alargar a competência do STJ a partir do julgamento do Supremo, por ausência de força vinculante da decisão proferida.

A aceitação das reclamações pelo STJ é controvertida pela própria limitação do Tribunal em apreciar as questões advindas dos juizados em recurso especial. De acordo com a Súmula 203 do STJ, “não é admissível a interposição de recurso especial contra as decisões proferidas pelas turmas recursais”.

“Atribuir competência para o STJ processar e julgar reclamações ofertadas contra decisões oriundas dos juizados especiais, sem sombra de dúvida, fere o direito constitucional da razoável duração do processo e da celeridade, ainda mais frente a um procedimento que constitucionalmente deve ser informal e rápido”, analisa o ministro Massami.

Ele destaca que um dos receios de admitir as reclamações sem nenhum filtro é o risco de travestir a reclamação em recurso especial, mas sem os requisitos de admissibilidade exigidos para este. O argumento do STF para definir a competência do STJ nas reclamações contra decisões dos juizados especiais estaduais foi o risco de manter decisões divergentes sobre o mesmo tema.

Prestação incompleta

No âmbito federal, a Lei 10.259/01 criou a Turma de Uniformização de Jurisprudência, que pode ser acionada quando a decisão da turma recursal federal contrariar a jurisprudência do STJ. A Turma é composta por dez juízes federais membros das turmas recursais dos juizados especiais federais e dez suplentes, e é presidida pelo corregedor-geral da Justiça Federal, que é sempre um ministro do STJ – atualmente, o ministro João Otávio de Noronha.

Segundo entendimento da ministra Ellen Gracie, ao proferir voto no recurso extraordinário 571.572, a manutenção de decisões divergentes a respeito da legislação infraconstitucional federal provoca insegurança jurídica e resulta em prestação jurisdicional incompleta, em razão da inexistência de outro meio para resolvê-la.

A reclamação é, assim, uma forma de garantir a efetividade das decisões proferidas em última instância pelo STJ e de afastar a divergência jurisprudencial, diante da inexistência de outro meio que possa fazê-lo.

O ministro Gilmar Mendes, do STF, também no julgamento desse recurso, apontou dificuldades por que passa o sistema dos juizados especiais estaduais. “Mantido esse modelo rígido, corremos o risco de ter uma erosão do papel do STJ como órgão judicial de uniformização do direito federal”, disse ele.

“Nesse sentido”, acrescentou, “é fácil apostar que, em termos de massa de processos, os juizados especiais passarão a ter mais intensidade na provocação do que os processos que fluem pela via ordinária.”

Processamento

A Resolução 12 do STJ define a sistemática para o processamento das reclamações. Elas são oferecidas no prazo de 15 dias, contados da ciência pela parte da decisão impugnada, e são dirigidas ao presidente do Tribunal e distribuídas ao relator, que faz o juízo de admissibilidade.

Se admitida a reclamação, o relator pode conceder liminar para suspender a tramitação dos processos nos quais tenha sido estabelecida a mesma controvérsia nos juizados especiais. A parte pode pedir uniformização de interpretação de lei quando houver divergência entre decisões proferidas por turmas recursais sobre questões de direito material.

Segundo a advogada Cláudia Helena Poggio Cortez, em artigo relativo ao “Cabimento de Reclamação Constitucional no Âmbito dos Juizados Especiais Estaduais”, uma das críticas que se faz à decisão do STF é que a reclamação não poderia ser proposta para garantir a eficácia e a observância de decisão proferida em outro processo, em razão dos limites à coisa julgada.

“Não se pode propor reclamação alegando que o juizado especial divergiu ou descumpriu decisão do STJ proferida em outro processo, até porque a decisão paradigma não tem efeito vinculante”, diz ela.

A advogada pondera que os juizados especiais estaduais também não estão obrigados a seguir as decisões do STJ, por força do princípio do livre convencimento do juiz. Em sua opinião, o entendimento recomendado pelo STF e seguido pelo STJ dá força vinculante às decisões do Tribunal em relação às questões julgadas nos juizados especiais estaduais, o que não foi previsto constitucionalmente.

Ela concorda que a reclamação, tal como sugerida, acaba se tornando sucedâneo recursal, comprometendo todo o sistema. Em sua opinião, a ampliação do espectro de cabimento da reclamação só poderia ser feita por lei federal e não por orientação do STF ou Resolução do STJ.

Atuação do Legislativo

Os juizados especiais estaduais foram criados a partir da Lei 9.099/95. Em razão da ausência de regras uniformizadoras de jurisprudência, o Poder Executivo encaminhou à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 4.723/04, com o objetivo de instituí-las.

Pelo projeto original, a controvérsia em relação à aplicação da legislação federal seria solucionada por reunião conjunta das turmas em conflito, em caso de divergência entre órgãos do mesmo estado; ou pelo STJ, quando a decisão proferida estivesse em contrariedade com súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal ou quando as turmas recursais de diferentes estados dessem à lei interpretações divergentes.

Em 28 de abril de 2010, o Senado aprovou o substitutivo ao projeto votado pela Câmara que resultou no PLC 16/07, reconhecendo a reclamação como modalidade recursal e prevendo o prazo de dez dias para sua interposição, a contar da data de publicação do acórdão.

De acordo com a proposta, será possível a interposição do recurso, denominado “pedido de uniformização de jurisprudência”, quando houver, entre turmas recursais de competência civil do mesmo estado, divergência sobre questão de direito material ou processual. O recurso será dirigido ao presidente da turma estadual de uniformização independentemente do pagamento de custas. A turma estadual de uniformização será formada pelos cinco juízes titulares com maior tempo em exercício nas turmas recursais do respectivo estado.

O substitutivo foi relatado pelos senadores Valter Pereira (PMDB-MS) e Edson Lobão (PMDB-MA) e, aprovado, aguarda parecer na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara, onde deve ser submetido a plenário.

O projeto prevê que, quando houver multiplicidade de processos com fundamento em idêntica questão de direito, e o STJ for provocado a se manifestar, todas as eventuais reclamações posteriores e recursos idênticos ficarão sobrestados, aguardando seu pronunciamento.

Segundo o PLC 16/07, o objetivo é evitar a repetição de julgamento de recursos sobre a mesma matéria. Depois que o STJ se manifestar, o recurso cuja tese contrariar a orientação firmada terá seguimento negado. Na hipótese de o recurso estar alinhado com a posição do STJ, a turma recursal de origem deverá reexaminar o caso.

O PL 4.723 está com vistas ao deputado Rodrigo Moreira Ladeira Grilo (PSL-MG) e é relatado na comissão pelo deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP).

Rápido, mas sem pressa

O sistema da Justiça especial vigora desde 1984, quando houve a criação dos juizados especiais de pequenas causas. Depois do Júri, segundo entendimento da ministra Nancy Andrighi – em palestra proferida na Escola da Magistratura do Rio de Janeiro, em 2004 –, é a instituição judicial mais democrática que há e precisa ser potencializada com a intensidade que a lei lhe conferiu.

Nesses juizados, geralmente são discutidas questões envolvendo acidente de carros, cobrança de condomínio e execução de cheque. Não passam por esses juizados matérias relativas a pensão alimentícia, ações de família, investigação de paternidade e outras mais complexas. É uma Justiça que prestigia a acordo entre as partes. Após o interessado protocolar o pedido, o juiz marca a audiência de conciliação. Se não houver solução amigável, o juiz marca audiência para instrução e julgamento.

A ministra destacou que o sistema dos juizados especiais deve funcionar de forma rápida, mas não apressada. “O rápido é diferente do apressado”, argumentou. “O apressado faz as coisas sem pensar, sem cuidar dos detalhes, sem ponderar a respeito das consequências e alternativas subjacentes de suas atitudes. O rápido envolve as pessoas no processo decisório e convive com as diferenças de ideias entre seus colaboradores” destacou.

A Justiça especial, em resumo, traz a esperança de que as causas possam ser julgadas a tempo razoável e de forma efetiva.

Fonte: STJ

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Caixa já desistiu de 80{1eecf362f98c152f8c428eb9c8eaf3ddce5ebd4071b9fa780edfd0d1e2372573} de seus recursos no STJ nos últimos sete meses

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A Caixa Econômica Federal está colocando por terra o empoeirado princípio adotado pela maioria das empresas e órgãos públicos, de recorrer sempre em qualquer ação. Desde março, a instituição reduziu em 80{1eecf362f98c152f8c428eb9c8eaf3ddce5ebd4071b9fa780edfd0d1e2372573} o número de recursos em que é recorrente no Superior Tribunal de Justiça (STJ) – eram 4.201 recursos. Com a desistência de diversos casos e a adoção de critérios que barram os recursos protelatórios, a Caixa tem atualmente apenas 836 recursos no Tribunal.

Os números contemplam a meta traçada pelo “Projeto Desistência” da Caixa, e foram apresentados ao presidente do STJ, ministro Felix Fischer, pelo presidente da instituição financeira, Jorge Hereda. O programa é a coroação de um esforço de redução do número de recursos que vem sendo feito pela Caixa desde 2004, quando a empresa era recorrente em mais de 16 mil processos no STJ.

O ministro Felix Fischer elogiou a iniciativa e afirmou que ela contribui para a efetividade da prestação jurisdicional. “O trabalho realizado é um exemplo a ser seguido pelas demais instituições que figuram entre os grandes litigantes no Tribunal”, sugeriu o presidente do STJ.

Racionalizar

Historicamente, a Caixa esteve entre os maiores litigantes do STJ e chegou a ocupar a primeira colocação em vários momentos. “É a primeira vez que comemoramos sair do primeiro lugar”, observou o presidente da Caixa. Jorge Hereda avalia que a política adotada vem dando certo e por isso será mantida. “Temos de liberar os nossos advogados para questões mais relevantes e vamos continuar contribuindo para racionalizar o trabalho do Tribunal também”, ressaltou.

A estratégia adotada pela Caixa é recorrer em processos efetivamente importantes para a empresa, desde que haja possibilidade de alteração do resultado, e deixar de recorrer em processos cujo valor seja baixo ou em questões já pacificadas pela jurisprudência do STJ. Quem explica é o diretor jurídico da Caixa, Jailton Zanon da Silveira: “Não faz sentido insistirmos num recurso em que sabemos que não teremos êxito. Então, antecipamos e desistimos do processo.”

Silveira conta que a meta do “Projeto Desistência” era ter menos de mil recursos no STJ, o que foi alcançado este mês. O número ainda deve baixar mais quando houver definição, por parte do Supremo Tribunal Federal, da questão sobre os expurgos inflacionários em cadernetas de poupança. A empresa estima ter cerca de 300 recursos sobre o tema no STJ.

Conciliação

Quanto aos recursos em que a Caixa é a recorrida (ou seja, o recurso foi interposto pela outra parte), a Caixa estuda adotar iniciativas de conciliação, para acelerar o deslinde das questões.

Para o diretor jurídico da Caixa, o “Projeto Desistência” vai ao encontro do desejo de um Judiciário mais eficaz, imprescindível para o desenvolvimento da sociedade. “A Caixa optou por se colocar como partícipe da solução do problema, e não apenas alguém que reclama um Judiciário célere”, afirmou.

O “Projeto Desistência” tem reflexos nas instâncias de origem. De acordo com Silveira, a empresa mudou o tratamento de ações nas instâncias inferiores: para um recurso subir para o STJ, ele será necessariamente apreciado pela diretoria jurídica da empresa. “O recurso não será feito apenas pelos advogados, mas será submetido à diretoria, que só autorizará o protocolo se ele estiver enquadrado nesse conceito de processo relevante ou questão que ainda não esteja pacificada na jurisprudência”, explicou. “Estamos buscando trazer apenas aquilo que é importante”, concluiu o diretor.

Fonte: STJ

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Adoção conjunta pode ser deferida para irmãos, desde que constituam núcleo familiar estável

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Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), as hipóteses de adoção conjunta previstas no artigo 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não são as únicas que atendem ao objetivo essencial da lei, que é a inserção do adotado em família estável. Com esse entendimento, a Turma negou provimento a recurso especial interposto pela União, que pretendia anular a adoção de uma criança feita por uma mulher, juntamente com seu irmão (já falecido).

Em princípio, a ação foi extinta pelo magistrado de primeira instância. A União apelou contra essa decisão ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), o qual, apesar de não concordar com o magistrado quanto à inviabilidade da ação anulatória, julgou-a, no mérito, improcedente. Em seu entendimento, a adoção póstuma intentada por irmãos é possível.

O TJRS constatou que houve inequívoca manifestação de vontade do irmão (enquanto vivo) em adotar e que essa vontade apenas deixou de ser concretizada formalmente. Além disso, verificou nas provas do processo que havia fortes vínculos entre o adotado e o falecido, “dignos de uma paternidade socioafetiva”.

Adoção póstuma

No recurso especial, a União afirmou que a adoção póstuma (ajuizada por uma pessoa em nome de outra, que já morreu) só pode ser deferida na hipótese prevista no artigo 42, parágrafo 6º, do ECA.

Além disso, alegou violação do artigo 42, parágrafo 2º, do ECA, segundo o qual, “para a adoção póstuma, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família”.

Segundo a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso especial, o artigo 42, parágrafo 6º, da Lei 8.069 (ECA), possibilita que a adoção póstuma seja requerida caso o adotante tenha morrido no curso do procedimento de adoção e seja comprovado que este manifestou em vida seu desejo de adotar, de forma inequívoca.

Para as adoções post mortem se aplicam, como comprovação da inequívoca vontade do falecido em adotar, “as mesmas regras que comprovam a filiação socioafetiva: o tratamento do menor como se filho fosse e o conhecimento público dessa condição”.

Manifestação inequívoca

De acordo com a ministra Andrighi, a inequívoca manifestação de vontade é condição indispensável para a concessão da adoção póstuma, “figurando o procedimento judicial de adoção apenas como a concretização formal do desejo de adotar, já consolidado e exteriorizado pelo adotante”.

Ela explicou que, no caso relatado, a adoção se confunde com o reconhecimento de filiação socioafetiva preexistente, que foi construída pelo adotante falecido desde quando o adotado tinha quatro anos de idade.

Nancy Andrighi entendeu que a ausência de pedido judicial de adoção, anterior à morte do adotante, “não impede o reconhecimento, no plano substancial, do desejo de adotar, mas apenas remete para uma perquirição quanto à efetiva intenção do possível adotante em relação ao adotado”.

Quanto à alegação de violação do artigo 42, parágrafo 2º, do ECA, a ministra afirmou que, ao buscar o melhor interesse do adotado, a lei restringiu a adoção conjunta aos que, casados civilmente ou que mantenham união estável, comprovem estabilidade na família. Para ela, o motivo é razoável, mas ainda assim não justifica as restrições fixadas.

“A exigência legal restritiva, quando em manifesto descompasso com o fim perseguido pelo próprio texto de lei, é teleologicamente órfã, fato que ofende o senso comum e reclama atuação do intérprete para flexibilizá-la e adequá-la às transformações sociais que dão vulto ao anacronismo do texto de lei”, disse.

Núcleo familiar

Segundo a relatora, o que define um núcleo familiar estável são os elementos subjetivos, extraídos da existência de laços afetivos, de interesses comuns, do compartilhamento de ideias e ideais, da solidariedade psicológica, social e financeira, entre outros fatores. Isso não depende do estado civil dos adotantes.

“O conceito de núcleo familiar estável não pode ficar restrito às fórmulas clássicas de família, mas pode, e deve, ser ampliado para abarcar a noção plena de família, apreendida nas suas bases sociológicas”, afirmou Andrighi.

Ao analisar o caso, a ministra entendeu que o objetivo expresso no texto legal – colocação do adotando em família estável – foi cumprido, porque os irmãos, até a morte de um deles, moravam sob o mesmo teto e viviam como família, tanto entre si, como em relação ao adotado.

“Naquele grupo familiar o adotado deparou-se com relações de afeto, construiu seus valores sociais, teve amparo nas horas de necessidades físicas e emocionais, em suma, encontrou naqueles que o adotaram a referência necessária para crescer, desenvolver-se e inserir-se no grupo social de que hoje faz parte”, declarou.

A Turma, em decisão unânime, acompanhou o voto da relatora e negou provimento ao recurso especial da União.

Fonte: STJ

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Direito Penal

Motorista acusado de homicídio no trânsito de BH vai a júri popular

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Um motorista de Minas Gerais, acusado de provocar acidente fatal ao dirigir embriagado, em excesso de velocidade e na contramão, vai responder por homicídio perante o tribunal do júri. A decisão unânime é da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O acidente ocorreu em 2008, na capital Belo Horizonte. Um administrador de empresas de 25 anos saiu de uma boate e, em alta velocidade, invadiu a contramão e bateu de frente em outro veículo, dirigido por um empresário de 48 anos, que morreu na hora.

Seguindo o voto do ministro Jorge Mussi, a Turma considerou que as circunstâncias do crime podem configurar dolo eventual, em que o motorista assume o risco de produzir o resultado morte.

A decisão foi tomada no julgamento de recurso especial do Ministério Público (MP) de Minas Gerais contra decisão do Tribunal de Justiça (TJ) do estado, que desclassificou o crime de homicídio doloso para homicídio culposo – sem intenção de matar.

Para o TJ, “embora exista entendimento de que aquele que dirige em alta velocidade assume o risco de produzir o resultado morte, agindo com dolo eventual, não se pode admiti-lo na espécie, na medida em que inexiste prova da vontade dirigida para o resultado alcançado”.

O MP sustentou que o fato de o acusado estar dirigindo embriagado, em excesso de velocidade e na contramão de direção – elementos todos reconhecidos na pronúncia – seria suficiente para levar o réu ao tribunal do júri, em razão, ao menos, do dolo eventual. Por isso, pediu o restabelecimento da sentença de pronúncia.

Benefício da sociedade

Segundo Jorge Mussi, a decisão do tribunal estadual contrariou o entendimento do STJ de que a presença das referidas circunstâncias caracterizaria, em tese, o elemento subjetivo do tipo inerente aos crimes de competência do júri popular.

“Tenho que a presença da embriaguez ao volante, excesso de velocidade e direção na contramão, em tese, podem configurar dolo eventual, pois, nesta fase processual, de acordo com o princípio do juiz natural, o julgamento acerca da sua ocorrência ou da culpa consciente deve ficar a cargo do conselho de sentença, que é constitucionalmente competente para julgar os crimes dolosos contra a vida, conforme já decidido por esta Corte”, afirmou Mussi.

O ministro observou que a sentença de pronúncia adotou a tese do dolo eventual, prestigiando o princípio in dubio pro societate – na dúvida, deve-se decidir a favor da sociedade. Ele ressaltou que a decisão de pronúncia contém simples juízo de admissibilidade da acusação, exigindo o ordenamento jurídico somente o exame da ocorrência do crime e de indícios de sua autoria. O recurso foi provido para restabelecer a sentença de pronúncia.

Fonte: STJ

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